Boletim Semanal

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Pedofilia agride as regras da sociedade

O pedófilo não se importa com sua vítima.
O que vale é consumar seus desejos mais estranhos.


Por Elisa Limbeck

A pedofilia é um mal que assola a nossa sociedade há tempos e ocorre em todas as classes sociais, raças e níveis educacionais. Um transtorno sexual do ser humano, em geral dos homens que sentem atração por crianças pré-púberes e por pré-adolescentes, sendo desnecessário a presença do ato sexual.

Clinicamente, a pessoa pode ser considerada como pedófila apenas pela presença de fantasias ou desejos sexuais, mas com a diferença de ir em busca de satisfazer esses desejos. Seja pelo contato físico, como forçar relações sexuais, na qual usa de violência física ou faz ameaças verbais, toques e carícias nas partes íntimas, ou sem o contato físico, que consiste em ficar de longe apreciando crianças e jovens nuas, tirar fotos ou filmar poses sensuais, pornográficas etc.

Em geral a pedofilia ocorre em casa por familiares ou pessoas próximas, como tios, primos, amigos etc. Porém, dos casos tratados em consultórios ou clínicas médicas, quem abusa é o próprio pai ou o padrasto. “Sofri desse mal quando eu tinha 6 anos. Meu pai era aposentado na época e minha mãe trabalhava em dois empregos, por isso ficava só em casa com ele. Graças a Deus ele não abusou sexualmente de mim. Mas me forçava a tirar a roupa, a fazer poses sensuais para ele se masturbar. Com o tempo, começou a fazer sexo oral em mim e me ameaçava a fazer nele também”, relata Amanda (nome fictício), 25 anos.

Muitas vezes o problema está nos pais que não acreditam no que a criança diz. Isso gera danos emocionais altíssimos, além de uma série de traumas. “As vizinhas suspeitavam do que estava acontecendo e avisaram minha mãe, que considerou tudo como intriga. Minhas amigas não iam mais em casa brincar comigo. Sentia-me muito solitária. A escola, nossa, era o meu refúgio. Resolvi contar para minha mãe que não acreditou em mim. Cresci com esse sentimento de culpa e como qualquer adolescente normal, não me masturbava porque vinham sempre as cenas na minha cabeça. Lembro-me que terminei o meu primeiro namoro porque não agüentava a sensação do meu namorado passando a mão em mim. Hoje, tem horas que ainda travo, mas o maior trauma foi deixado pela minha mãe”, finaliza Amanda.

Casos assim são freqüentes no cotidiano e nem sempre as pessoas percebem ou fingem não perceber. É raro encontrar mulheres que pratiquem a pedofilia, mas elas existem, só que são mais difíceis de detectar. Foi o caso de Marcelo (nome fictício), 32 anos. “A empregada me despia e fazia sexo oral em mim, aos 8 anos. Não contei a ninguém porque era bom. Só mais tarde percebi o mal que isso ocasionou. Namorei várias mulheres e pratiquei sexo com elas, mas na hora H, não conseguia ejacular. Elas não entendiam, me chamavam de gay ou achavam que não estava sentindo tesão. Demorei anos para conseguir, até encontrar uma companheira que compreendeu o meu trauma e me ajudou a superá-lo”.


Amanda e Marcelo, vítimas da pedofilia, não buscaram tratamentos médicos por falta de orientação ou compreensão dos familiares e por medo. Mas, tanto a criança quanto o pedófilo podem e devem ser tratados em longo prazo. E isso só acontecerá quando seu comportamento gerar conflitos com o parceiro sexual ou com a sociedade.

Para esclarecer mais sobre o assunto, conversei com a psicóloga e
psicoterapeuta, Olga Inês Tessari.

Elisa Limbeck: Como a psicologia define a pedofilia?

Dra. Olga Tessari: Para a psicologia a pedofilia é uma pessoa adulta sentir atração por uma criança in púberes, que ainda não têm a parte sexual desenvolvida. Anjinhos, seres sem maldade, sem pecados, vamos dizer assim. É assim que o pedófilo vê as crianças.

Elisa Limbeck: Existem casos de pedofilia com e sem o ato sexual. Podemos afirmar que a partir do momento que ele sente a atração e o desejo já é considerada pedofilia ou precisa ter o ato sexual?

Dra. Olga Tessari: Não. A pessoa sentir atração é da natureza humana. Ela pode sentir atração por qualquer coisa. Há pessoas, por exemplo, que fazem sexo com animais, têm atração por esse tipo de sexo. Não porque sentiu a atração, mas é aquela pessoa que não controla o seu desejo. Então, o pedófilo é aquela pessoa que tem a atração, mas que não consegue controlá-la. O fato deles não conseguirem consumar os seus atos, faz com que não tenham controle sobre o seu desejo. Mais cedo ou mais tarde ele dará um jeito de satisfazer isso, seja indo atrás da criança para olhar atrás da fechadura, ou criar situações para que as elas fiquem nuas na frente dele, para que tenha o prazer de se masturbar na frente dela ou ter um ato sexual.

Elisa Limbeck: Alguns profissionais dizem que a pedofilia é o simples fato de sentir atração e se relacionar com pessoas que sejam no mínimo cinco anos mais novas, mesmo sendo adultas. É verdade?

Dra. Olga Tessari: Não, porque eles não forçaram a barra, não criaram uma série de mecanismos pra seduzir a pessoa contra a vontade dela. Os dois têm interesse. Não é porque há uma diferença de idade que é pedofilia, pelo contrário, são pessoas adultas que tem toda a parte sexual desenvolvida, o livre arbítrio para decidir o que quer fazer com o seu corpo.

Elisa Limbeck: A partir de qual idade é considerada pedofilia?

Dra. Olga Tessari: Depende muito de como a criança é criada. Temos meninas de 18 anos que se comportam como crianças de 10, 12 anos. Assim, como tem mulheres de 18 anos que já são adultas. Então, depende muito da educação que ela foi submetida, a própria preparação dos pais para a sua vida adulta. Por isso, não dá pra determinar uma idade específica.

Elisa Limbeck: A pedofilia acontece geralmente em casa?

Dra. Olga Tessari: Muitas vezes sim. Em geral são padrastos que se sentem
atraídos pela criança ou pela pré-adolescente. Ele mantém uma relação sexual forçada ou digamos, não chega à penetração.

Elisa Limbeck: Então acontece mais com padrasto do que com o próprio pai?

Dra. Olga Tessari: Sim, porque uma família comum, onde exista amor entre pai e mãe, eles têm amor pelos seus filhos. Com isso, o pai não consegue ver a filha como uma mulher, é uma relação assexuada, em harmonia. Agora, muitas vezes tem casais que se unem por outros interesses, como status social. Mulheres geram filhos só pra manter o casamento, daí não existe a harmonia. Não há diálogo com os filhos, nem orientação. Alguns pedófilos dizem assim: a situação estava lá, a menina estava seminua, numa posição sensual, me deu tesão. É uma pessoa de baixa cultura que não sabe controlar os seus desejos. Porque uma pessoa com cultura e de um conhecimento maior, ela controla melhor o seu desejo, sabe o que é certo e o que é errado, além de respeita o outro.

Elisa Limbeck: Como a criança é seduzida ou forçada a realizar os desejos dos pedófilos? Quais artimanhas eles usam?

Dra. Olga Tessari: O pedófilo, por ser um adulto que sabe manipular, ele age com uma criança que não tem toda essa malícia. Ela se deixa envolver, se seduzir e às vezes até por conta de promessa de dinheiro, presente, de uma série de coisas. Ele faz ameaças pra que essa criança não manifeste o que está acontecendo, que fique com medo.

Elisa Limbeck: Existem vários perfis de pedófilos? A pessoa nasce com esse instinto ou desenvolve com o tempo?

Dra. Olga Tessari: Sim, mas em geral são homens solteiros, sem relacionamento com uma mulher e que tiveram uma educação que lhes geraram uma baixa estima. Eles não se vêem conquistando uma mulher adulta. Querem ter a sensação de poder. Com isso, buscam mulheres de menor idade. Meninas que sejam mais fáceis de manipular, diferente de uma mulher que vai rejeitá-lo, dizendo não quero, não estou afim.
Já os casados são pessoas que não tem controle sobre os seus desejos. O homem que sentiu tesão, ele quer aliviá-lo. São pessoas focadas em sexo, que só vê prazer nisso. É um comportamento animal. Ele se deixa levar pelo seu desejo instintivo animal, não mede as conseqüências e quer satisfazer aquele prazer naquele momento.

Elisa Limbeck: Podemos afirmar que a maioria dos casos de pedofilia parte dos homens?

Dra. Olga Tessari: É difícil fazer esta afirmação, porque não vem à tona o resultado disso. O que nós temos maior conhecimento, são os homens. Nós não sabemos a quantidade de mulheres pedófilas que existem, porque provavelmente, elas agem de forma a ocultar melhor esse comportamento. Talvez, por manipularem melhor esses meninos ou façam de uma maneira que não haja provas. A mulher oculta mais a sua sexualidade, ela toma mais cuidado pra isso, devido à repressão da sociedade. No caso dos homens é muito mais comum, até porque eles são mais relaxados, e por muitas vezes movidos pelo instinto sexual, o que é natural e aceitável. Ainda não há uma pesquisa que comprove o número de mulheres pedófilas.

Elisa Limbeck: Qual a diferença de uma pessoa normal para a pedófila?

Dra. Olga Tessari: A normal pode até sentir uma atração, se sentir estimulado por uma criança, mas ela vai conter o seu desejo. O pedófilo não, ele vai dar um jeito de pegar essa criança e fazer sexo com ela. Na verdade as pessoas pedófilas não são normais de acordo com as regras e normas da nossa sociedade atual. O que é normal é você manter uma relação sexual com uma pessoa que tenha sua parte sexual desenvolvida. Sentir atração por crianças não é uma coisa normal e nem natural.

Elisa Limbeck: Como é possível identificar um pedófilo?

Dra. Olga Tessari: É difícil detectar. O pedófilo pode ser seu melhor amigo, uma pessoa maravilhosa, de boa convivência. Ele vai manifestar a pedofilia num ambiente onde ninguém tenha conhecimento disso, justamente por saber que não é legal, é proibido. O que pode acontecer com o passar do tempo, quando ele vai desenvolvendo sua pedofilia, pois ele vê que consegue fazer aquilo sem ninguém perceber, é relaxar a própria guarda. Sem querer a pessoa pode descobrir, com algumas fotos da internet. Enfim, ele vai deixar alguma pista, só que depois de muito tempo dele já fazer o ato.

Elisa Limbeck: Hoje vemos meninas maquiadas, vestidas como mulheres. Isso pode ser um atrativo para os pedófilos? Existe influência da mídia?

Dra. Olga Tessari: As crianças seguem o modismo, porque é bonito, é legal o que a moça da tv faz. Quando ela rebola, não faz como a adulta que está na televisão rebolando numa pose sensual, para estimular a sexualidade do homem, por não ter maldade. Ela faz uma coisa engraçada, diferente, uma brincadeira. A criança não percebe toda essa sensualidade até porque ela não sabe o que é isso. Agora, o adulto muitas vezes vendo uma criança com aquela dança toda sensual, ele enxerga aquela brincadeira como uma coisa sensual, sedutora. Daí ele imagina: a criança está me seduzindo, me estimulando, ou seja, fazendo com que eu sinta um desejo por ela.

Elisa Limbeck: As mães devem evitar o uso de roupas consideradas impróprias para a idade? Devem reprimir quando tem uma atitude sensual, como a dança falada anteriormente?

Dra. Olga Tessari: Não pode proibir, porque tudo que é proibido é mais gostoso. O ideal é não estimular. Ela quer dançar, deixa dançar. Quando se reforça o comportamento da criança com palmas e elogios, por exemplo, ela vai repetir. Agora quando não se importa muito, chega uma hora que ela se cansa e esquece.

Elisa Limbeck: Como a mãe pode ter a percepção de que a criança está sendo abusada?

Dra. Olga Tessari: A criança normal sente prazer em ficar sozinha com o pai, com a mãe, pois gosta de ter atenção exclusiva. Agora, a criança que foi violentada ou que teve que se submeter a um adulto que passou a mão na perna dela ou que a olha com um ar sensual, ela percebe. Então, ela evita ficar sozinha com essa pessoa. Vamos imaginar a seguinte situação: está a mãe, a filha e o padrasto ou o pai. A mãe diz que vai ao supermercado e a menina fica tensa, percebe que vai ficar sozinha com o homem na casa. Ela diz, mamãe eu quero ir junto. Se a mãe perceber que a menina está evitando a situação, aí tem alguma coisa errada. Não necessariamente só por causa da questão sexual, mas porque o homem fica mais agressivo com ela quando estão a sós, enfim, por outros motivos. Então, a mãe deve ficar mais atenta e observar melhor.

Elisa Limbeck: Qual a importância da orientação sexual para a formação de uma criança e adolescente. As escolas podem auxiliar?

Dra. Olga Tessari: Seria ótimo se as escolas fizessem isso. O maior problema são os pais, porque muitos deles têm preconceito em relação a isso, e não sabem lidar muito bem com a própria sexualidade. Eles conversam sobre tudo, mais chegam na questão sexual, falham. Contam às crianças aquelas historinhas de que o papai colocou uma sementinha na mamãe, sendo que a criança já ouviu, ou fuçou na internet ou viu na televisão que não é bem assim que acontece. Assim, a criança terá informações deturpadas lá fora, quando ela deveria ser educada dentro de casa. Então, já que a família não faz isso, seria muito bom que a escola assumisse esse papel com a anuência dos pais.

Elisa Limbeck: A partir de qual idade deve começar a orientação sexual?

Dra. Olga Tessari: O ideal é que se faça antes de atingirem a puberdade. No desenvolvimento do corpo adulto, a criança já tem conhecimento e ela irá lidar melhor com sua sexualidade. Muitos pais consideram que se falar sobre sexo numa idade anterior à puberdade vai despertar o interesse da criança. Mas, pelo contrário, as pesquisas mostram que quanto mais cedo os pais orientarem o seu filho, melhor. E isso não é um fator que leva essas crianças a ter sexo mais cedo. A criança orientada cresce sem malícia e ingênua. Qualquer coisa que falarem para ela lá fora, ela vai acreditar porque a mãe não falou nada. Dessa forma ela acredita em quem está lá fora e que supostamente sabe.

Elisa Limbeck: O que leva a criança não compartilhar a situação com a família? E quando a faz, porque não acreditam?

Dra. Olga Tessari: Medo, porque a pessoa adulta de alguma forma a ameaça. A
criança em algum momento da sua vida, já deve ter passado por outras situações simples em que ela contou algo para os seus pais e eles não acreditaram. Então, ela se cala. Eu começo casos onde, o padrasto molestou a menina e ela contou pra mãe, que não acreditou na filha. Tudo por receio de perder o marido, por medo de perder a situação econômica que tem com ele, porque ela vinha de uma família muito pobre. Muitas vezes a mãe engole aquela situação, suporta por uma questão de conforto pessoal. Ela não leva em consideração à própria filha.

Elisa Limbeck: Qual o tratamento ideal para a vítima?

Dra. Olga Tessari: Quem passa por uma situação dessas precisa de tratamento psicológico para superar esse trauma e ter uma vida normal. A criança é forçada a fazer o que ela não quer, é pressionada e chantageada. Ela percebe até no próprio olhar do adulto que está fazendo alguma coisa errada, se sente impotente diante daquela situação. Isso gera baixa auto-estima ou um comportamento que ao longo prazo pode desenvolver uma depressão, timidez, isolamento, uma síndrome do pânico, porque ela começa a ter um comportamento de esquivar-se de tudo. Associa que não só aquele adulto, mas outros podem fazer a mesma coisa com ela. Evita ficar em ambientes que haja adultos, perde a confiança neles. Ela associa o sexo como uma coisa ruim.

Elisa Limbeck: Pedofilia é um transtorno?

Dra. Olga Tessari: Sim, porque como vivemos em sociedade nós temos algumas regras a cumprir. Na sociedade ocidental e cristã como a nossa, a regra é fazer sexo entre adultos. Crianças são anjinhos, você não pode tocar. A partir do momento que uma pessoa transgride essa regra, ela não consegue se adaptar as regras sociais. Ela já é uma pessoa com transtorno, pois não contém seus impulsos. Digamos, guardadas as proporções é como se fosse um psicopata, que faz o que quiser. Ele mata, rouba, enfim, faz aquilo que vem na sua cabeça, não tem controle. Numa sociedade você precisa ter controle dos seus impulsos.

Elisa Limbeck: O pedófilo tem cura?

Dra. Olga Tessari: Tem. É um tratamento rigoroso, de longo prazo, com psicólogo e psiquiatra. Se essa pessoa está disposta a se submeter ao tratamento, o resultado é positivo.

Elisa Limbeck: Com a Internet aumentou o número de pornografia infantil?

Dra. Olga Tessari: Não. A pornografia infantil sempre existiu. O que nós temos hoje é um acesso mais fácil por conta dessa nova ferramenta, o que também torna mais fácil de identificar os pedófilos. Antes eles eram mais ocultos, ou seja, pessoas solitárias que desenvolvia aquele seu desejo, aprontava e ficava por aquilo mesmo. Com o advento da Internet, eles podem trocar informações entre si. Há pessoas que vivem as custas do pedófilo, que fazem umas séries de vídeos, vendem e ganham muito com isso, pelo próprio interesse do pedófilo. A coisa está mais exposta. Parece que aumentou o número de pedófilos, mas não.

Elisa Limbeck: Você aconselha os pais a instalarem programas que proíbam o acesso a conteúdos inadequados?

Dra. Olga Tessari: É bom quando se tratar de crianças. A internet expõe o sexo de
maneira equivocada. Possui vídeos sadomasoquistas, de mulheres que se comportam como objetos sexuais. Ter acesso a estes conteúdos é ensinar de forma errada o seu filho sobre o que é a sexualidade.

Elisa Limbeck: Qual a mensagem que você gostaria de deixar para os nossos leitores, os pais?

Dra. Olga Tessari: O mais importante é orientar seus filhos desde pequenos. Os pais
devem educar seus filhos pra não deixarem se levar pelos adultos, que tem uma lábia maravilhosa. Diante de uma criança é fácil conseguir o que se quer. Deve-se falar da sexualidade como uma coisa normal, natural e saudável. De preferência antes da puberdade e valorizar o sexo e não banalizar, como é feito ultimamente. Quanto antes satisfazer as curiosidades sexuais de seus filhos, melhor, porque se prender, eles terão curiosidades e satisfarão longe dos olhos dos pais. É tudo mera curiosidade, pois estão aprendendo a conhecer o mundo.